Neste contexto de isolamento social, em que todos são incentivados a permanecer em casa, espera-se que as famílias se mantenham unidas e convivam em harmonia. Mas o fato é que, em muitos lares, permanecer em casa tem se tornado um verdadeiro pesadelo, isto em decorrência do crescente número de casos de violência doméstica, principalmente contra mulheres.
Entende-se por violência doméstica, qualquer tipo de violência ocorrida dentro do âmbito familiar. Mulheres, homens, idosos, crianças e funcionários podem ser vítimas. Em uma entrevista à Gazeta do Povo, a professora doutora Valéria Ghisi, coordenadora do Projeto Vidora (Violência Doméstica e Relacionamentos Abusivos) do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP), explica que: “o isolamento social imposto recentemente é, na verdade, um fenômeno comum e que frequentemente está ligado a situações de violência doméstica, pois o agressor tende a isolar socialmente a vítima, e a casa onde isso ocorre é tida por muitos como um espaço onde os olhos dos outros não chegam. O coronavírus apenas potencializou a questão”.
As mulheres são as principais vítimas desse tipo de violência. Um levantamento realizado pelo Ministério Público mostra um aumento de quase 30% nas medidas protetivas emergenciais e 51% nas prisões em flagrante por violência contra a mulher, só no estado de São Paulo.
Esses números revelam um problema arcaico e estruturante da desigualdade de gênero. Assim, onde deveria existir uma relação de afeto e respeito, prevalece uma relação de violência, muitas vezes, ocultada por estar atrelada a papéis historicamente atribuídos a homens e mulheres, baseados na cultura do machismo.
Um dos principais instrumentos para o enfrentamento da violência doméstica contra mulheres é a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. A criação dessa lei foi uma consequência da condenação do Brasil no sistema Interamericano de Direitos Humanos, quando o país foi considerado omisso no caso da Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de homicídio pelo seu marido, o que a deixou paraplégica.
Após 20 anos de luta, a punição para o agressor só aconteceu quando o caso foi processado a nível internacional, uma vez que todos os recursos e medidas de responsabilização, no judiciário brasileiro, haviam sido esgotados. Por essa razão, o Brasil foi condenado a criar uma política pública de atendimento a casos semelhantes ao da Maria da Penha, a fim de evitar que mulheres como ela ficassem desamparadas e seus agressores impunes.
Assim, essa lei, batizada com o nome da vítima que a inspirou, além de definir e tipificar as formas de violência contra a mulher (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), também prevê a criação de serviços especializados, como os que integram a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, composta por instituições de segurança pública, justiça, saúde e assistência social.
Com a criação da Lei Maria da Penha, desejava-se que, com o passar do tempo, os casos de violência doméstica no Brasil diminuíssem, tornando-a cada vez menos necessária. Contudo, essa expectativa não condiz com a realidade, pois os registros de violência contra mulher vêm aumentando significativamente.
Nesse contexto, um dos principais desafios no combate a esse tipo de violência é o reconhecimento da própria violência, pois ainda vivemos em uma sociedade que naturaliza muitos tipos de agressão como típicas e inevitáveis dos relacionamentos conjugais. Por isso, apenas a criação de uma lei mostra-se insuficiente para superarmos esse problema. Muitas das condutas que já são criminalizadas continuam sendo praticadas, o que mostra que usar o Direito Penal como estratégia principal traz poucos resultados.
Acreditamos, portanto, que o principal recurso para evitar a violência e a impunidade é a educação. Isso recai diretamente na forma como educamos e orientamos os jovens da nossa geração. É preciso ensinar aos meninos a processarem seus sentimentos de forma saudável, desvencilhando a agressividades dos padrões de comportamento masculino. Ao mesmo tempo, não podemos permitir que as meninas naturalizem maus tratos, acessos de ciúme e atitudes opressoras como parte ou formas de demonstração de afeto.
Desse modo, espera-se que os relacionamentos se tornem cada vez mais saudáveis, pautados numa dinâmica de igualdade de direitos e responsabilidades, o que ressoará numa sociedade mais justa, onde impera o respeito ao próximo acima de todas as coisas.
Para desenvolver o tema geral Igualdade de gênero, sugerimos a realização de uma roda de conversa.
• Ler o texto motivador com a turma.
• Separar os alunos em grupos; cada grupo será responsável por levantar um ponto relevante para a discussão coletiva;
• Para auxiliá-los nessa tarefa, convide-os a refletir sobre os seguintes aspectos:
– Por que a violência doméstica ainda persiste no século XXI?
– Por que a Lei Maria da Penha parece ser insuficiente para combater a violência contra a mulher?
– Como o machismo legitima a violência doméstica?
– Como podemos ajudar no combate à violência contra mulher?
• Por fim, cada grupo deve levar à discussão coletiva um dos aspectos elencados pelo professor, defendendo seu ponto de vista a partir de argumentos concisos e válidos.
Gazeta do Povo
Coronavírus: denúncias de violência doméstica aumentam e expõem impacto social da quarentena
Observatório Lei Maria da Penha
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