A pandemia da Covid-19 nos trouxe medo, angústia, agonia, tristeza, ansiedade. E também nos trouxe reflexão. No momento em que o mundo se rendeu às forças invisíveis de um vírus, em que as escolas paralisaram ou reconfiguraram suas atividades, também paramos para refletir sobre ansiedade e depressão, temas ainda pouco discutidos socialmente. Há muito tempo, esses transtornos mentais afetam milhões de seres humanos na surdina da ignorância. Hoje, principalmente por causa da pandemia, eles ganham notoriedade. E no espaço escolar não é diferente. Mas, afinal, qual a importância de se discutir sobre o controle das emoções e da ansiedade entre os estudantes?
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que os profissionais da educação básica devem instruir o estudante a atingir a competência de “conhecer-se, apreciar-se e cuidar da sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas”. No documento, as habilidades socioemocionais se constituem como estratégias que precisam ser utilizadas pelos professores e pela equipe pedagógica de maneira transversal. Isso significa concebê-las não necessariamente como um componente curricular, mas como um conjunto de práticas que se atrelam às atividades de todas as disciplinas. Ao pautar tais habilidades, a BNCC reforça a importância de reduzir os impactos da ansiedade no desenvolvimento cognitivo e pessoal de crianças e adolescentes, buscando garantir pelo menos dois pontos: a capacidade de o sujeito reconhecer transtornos mentais comumente negligenciados e o papel decisivo das emoções no desenvolvimento cognitivo.
No que concerne ao primeiro ponto, comecemos refletindo sobre a atribuição unilateral, reforçada durante décadas, de que a formação emocional do estudante é missão de sua família. Com o conceito de educação integral, ou seja, de formação integral do sujeito, a escola passa a ter uma parcela de responsabilidade nesse processo de instrução à resiliência, à autonomia e ao equilíbrio emocional, habilidades as famílias nem sempre estão preparadas para desenvolver. Desse modo, a educação psicológica e o debate sobre transtornos psiquiátricos também competem à equipe pedagógica. Exercitar habilidades socioemocionais nos estudantes possibilita prevenir, na raiz, males geralmente negligenciados na vida adulta.
Além disso, tais habilidades permitem evitar casos irreversíveis que nem esperam a juventude passar para acontecer. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a segunda maior causa de morte de jovens entre 15 e 24 anos (https://veja.abril.com.br/saude/suicidio-e-segunda-causa-de-morte-entre-jovens-de-15-a-24-anos-diz-oms/). Um dos desencadeadores de tal fatalidade é a ansiedade, quando associada à depressão. A população brasileira lidera o ranking mundial de pessoas ansiosas: 18,6 milhões de brasileiros convivem com o transtorno (https://exame.com/ciencia/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo-segundo-a-oms/). A inabilidade de lidar com a ansiedade, muitas vezes, decorre da falta de orientação, que poderia ser fornecida também pela escola. A inabilidade de lidar com esses problemas emocionais pode levar não somente ao suicídio, mas a malefícios nas relações interpessoais e até mesmo profissionais.
O livro “Inteligência Emocional”, de Daniel Goleman, lançado em 1995, defendeu a função decisiva do controle das emoções no desenvolvimento cognitivo. Assim, cabe à escola não apenas exigir e fomentar o intelecto, mas também propiciar condições psíquicas para que o desempenho acadêmico do aluno se eleve. A ansiedade incontrolável pode, por vezes, acarretar em procrastinação, principalmente em tempos nos quais a sociedade prega um ideal de ininterrupta produtividade e de acirrada competitividade profissional. Segundo Afonso Damião, psicólogo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o Mindfulness é um método que consiste na utilização de técnicas de meditação para controlar as emoções em busca de foco nas atividades e afazeres do momento presente. Para ele, tal método pode auxiliar na redução da ansiedade dos estudantes e evitar a procrastinação que acarreta o acúmulo de exercícios e o desestímulo quanto ao próprio processo de aprendizagem.
A cada palavra que digito neste artigo, lembro-me dos conflitos relatados pelos meus alunos neste período pandêmico. Nas últimas semanas, eu e a equipe docente da escola em que trabalho dialogamos via WhatsApp com os estudantes e constatamos testemunhos pessoais constantes de episódios de ansiedade. Diante dessa demanda, criamos um grupo de apoio socioemocional com eles, através do Google Meet, a fim de instruí-los emocionalmente neste momento difícil. De pouco adianta transmitirmos conhecimentos formais e ministrarmos cientificamente aulas sobre transtornos mentais. Casos de ansiedade precisam, sobretudo, de conversa e de empatia. Como profissionais de educação, não é extremamente necessário que estejamos preparados intelectualmente para falar, mas é extremamente necessário que estejamos dispostos a escutar – o que me recorda um poema de Fernando Pessoa chamado Como é por dentro outra pessoa. Segundo o poeta, “a alma de outrem é outro universo com que não há comunicação possível […]; nada sabemos da alma senão da nossa; as dos outros são olhares, são gestos, são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo”. Para controlar a ansiedade dos estudantes, é preciso que os observemos, enxerguemo-los, escutemo-los e os interpretemos não somente como alunos, mas também como seres humanos.
Douglas Domingos
Professor, jornalista e mestre em Linguística.
Sugestões de leitura
Livro – Procrastinação: Guia científico sobre como parar de procrastinar, Lílian Soares.
Material formativo – Competências socioemocionais para contextos de crise
(https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/socioemocionais-para-crises.html)