O processo de construção do conhecimento nas escolas perpassa diversas hibridizações, que mesclam uma diversidade de concepções e práticas pedagógicas, com o intuito de garantir a formação interdisciplinar dos estudantes. Entretanto, o conceito de “ensino híbrido”, na atualidade, torna-se um pouco mais específico ao unir o ambiente virtual ao físico, a fim de intensificar e personalizar a aprendizagem.
Segundo o educador Darcy Furquim, “o ensino híbrido é uma das maiores tendências da educação no século XXI. Essa metodologia tem como objetivo aliar métodos de aprendizado on-line e presencial”. Para ele, “atualmente, vivemos em uma época na qual as crianças estão começando a utilizar tecnologias e a ter contato com computadores, smartphones, tablets, entre outros, cada vez mais cedo.Por isso, é fundamental que as instituições busquem utilizar essas ferramentas on-line com o objetivo de potencializar o ensino das pessoas”.
Se há alguns meses o ensino híbrido se caracterizava como um desafio que, em muitas instituições escolares, era frequentemente adiado, neste momento a situação mudou de maneira radical. A pandemia da Covid-19 nos obrigou a reinventar as metodologias de ensino, amparadas nas tecnologias digitais, para apaziguar os inegáveis prejuízos na educação de tantas crianças, jovens e adultos. Buscar novos métodos para as aulas tornou-se, nos últimos tempos, um imperativo compulsório e não mais uma recomendação. Não devemos concluir, com isso, que a mera transposição do ambiente físico para o virtual constitui-se como ensino híbrido. Mas há de se reconhecer que as atividades preparadas no período em que as escolas mantêm suas portas fechadas estimulam, de alguma forma, a autonomia do estudante. Em vez de exposições dos professores, o aluno sede para com textos multimodais (vídeos, músicas, podcasts, notícias, documentários) e precisa fazer deles sua fonte de conhecimento acadêmico.
Ainda hoje, a discussão sobre a retomada das aulas presenciais causa polêmicas, devido à possibilidade de contaminação pela Covid-19. No Brasil, poucos Estados autorizaram a abertura dos portões das escolas para alunos e professores. E, mesmo que essas instituições voltem a funcionar, o distanciamento social precisa ser obedecido, o que implica a redução de alunos nas salas e, provavelmente, a continuidade de atividades on-line para suprir a diminuição da carga horária presencial. O “ensino híbrido”, portanto, permanecerá por algum tempo. E nós, educadores, precisamos encarar as ferramentas tecnológicas como uma possibilidade didaticamente vantajosa e não apenas como uma transposição de métodos tradicionais para plataformas digitais.
Uma das propostas do verdadeiro ensino híbrido é a personalização do processo de ensino-aprendizagem. Isso significa que o professor pode utilizar ferramentas para verificar, de maneira específica, constante e simples, as dificuldades dos seus alunos. Há dois anos, fui a uma palestra promovida pelo Google e direcionada a educadores de várias capitais brasileiras. Surpreendi-me com a quantidade e a qualidade de recursos cuja aplicação em sala de aula eu, mesmo familiarizado com as novas tecnologias, desconhecia. Um desses recursos é o Google Forms, que permite a criação de quizzes e a coleta intuitiva dos resultados; estes evidenciam o desempenho coletivo e individual dos estudantes. Para a área de Matemática e Ciências da Natureza, a organização Khan Academy disponibiliza uma plataforma na qual os alunos conseguem aprender com materiais diversos e constatar suas próprias limitações. Além disso, ela possibilita que o professor tenha acesso a essas informações e planeje ações direcionadas às deficiências específicas dos estudantes.
Diante do exposto, já é perceptível que, além de fornecer dados aos educadores, o ensino híbrido proporciona o protagonismo dos estudantes. De acordo com Fernando Trevisani, autor do livro “Ensino híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação” (2015), há alguns modelos de atividades comuns nessa metodologia: a sala de aula invertida permite que os alunos realizem uma leitura prévia dos conteúdos que serão trabalhados em sala e, assim, estabeleçam conexões entre ambas as situações de aprendizagem; a rotação de laboratório divide a sala de aula em dois grupos (online e off-line) que, depois, serão trocados, no intuito de levar os alunos a produzir conforme os objetivos postos pelo professor; a rotação por estações segmenta os alunos em mais grupos aos quais seja disponibilizado, no mínimo, um recurso tecnológico; a rotação individual consiste em um roteiro específico para cada estudante que proporcionará a autonomia e a superação de desafios em situações de pesquisa.
Desse modo, o ensino híbrido oportuniza ao estudante novas formas de aprender, com base na resolução conjunta de situações-problema. Tal característica mobiliza habilidades muito caras à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como argumentação, prática da curiosidade intelectual, utilização de diferentes linguagens, e exercício da empatia, do diálogo, da resolução de conflitos e da cooperação.
No contexto pandêmico deste ano letivo, a rotação individual está entre os modelos de atividades mais praticados. Através de plataformas como o Google Classroom e, até mesmo, o WhatsApp, os educadoresvêm disponibilizando roteiros para que os estudantes organizem sua rotina e exercitem sua autonomia. Apesar disso, esbarramos em diversos limites, alguns deles inesperados. Por experiência própria, como professor do ensino fundamental e do ensino médio, constatei que a metodologia pautada na hibridização entre on-line e off-line encontra dificuldades na apropriação da tecnologia, não somente pelos professores, mas também, inesperadamente, pelos alunos.
A famosa Geração Z, aquela dos nativos digitais, possui uma parcela com graves problemas de concentração e leitura. A equipe pedagógica da escola em que leciono, por exemplo, recebeu uma série de mensagens de alunos desesperados que não conseguiam enviar e-mails com anexos, responder a atividades na plataforma digital, ou preencher formulários de solicitação de mudança de senha. Essa experiência demonstra que uma parte dos educandos está dependente da nossa presença para esclarecer dúvidas extremamente básicas e que o ensino híbrido precisa ser fomentado imediatamente, a fim de incentivar a autonomia desses jovens.
No intuito não de que saiamos da nossa zona de conforto, mas de que a ampliemos, como diria o pesquisador Fernando Trevisani, deixo aqui algumas sugestões de leituras e de cursos atuais sobre o ensino híbrido. Afinal, como mencionei mais acima, a união entre o on-line e o off-line não se trata, neste momento, de uma recomendação ou de uma orientação. Estamos diante de uma pandemia que instaurou o ensino híbrido como a metodologia compulsória sobre a qual se alicerçam as práticas pedagógicas contemporâneas.
Douglas de Oliveira Domingos
Mestre em Linguística (UFPB) e graduado em Jornalismo (UFPB). É professor de Língua Portuguesa na SEECT-PB. Confia na linguagem como ferramenta de interpretação e transformação do mundo.
Saiba mais!
Desmistificando o Ensino Híbrido – com Fernando Trevisani: https://www.youtube.com/watch?v=YCRznDgUa7U.
Curso Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação: https://www.coursera.org/learn/ensino-hibrido/home/welcome.
Ensino híbrido: o que é e como pode ser usado na escola: https://escolasdisruptivas.com.br/metodologias-inovadoras/ensino-hibrido-o-que-e-e-como-pode-ser-usado-na-escola/.
Curso sobre Ensino Híbrido fornecido pela Secretaria de Educação da Bahia: https://sinc-eh.web.app/login.
Khan Academy: https://pt.khanacademy.org/
Como educar uma geração digital com tanta dificuldade para se concentrar? – https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-47701908.