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A importância da literatura na educação infantil

A importância da literatura na educação infantil

           Lembro-me de poucas experiências pessoais com a literatura na primeira infância. Meus pais dizem que contavam histórias para mim. Não me recordo. Mas nutro a firme memória de um livro de capa dura e azul, cujo título trazia algo como “365 histórias: um conto clássico ou fábula para cada dia do ano”. Essa lembrança me leva a refletir sobre a influência cognitiva e identitária do contato que eu tive com a literatura quando criancinha. E também sobre o quão privilegiado eu fui por ter uma família com condições intelectuais e socioeconômicas para fomentar o hábito da leitura desde o cerne da minha educação.

            Primeiramente, preciso falar sobre os impactos positivos da literatura no desenvolvimento da criança, em relação à educação tanto formal, garantida por escolas e creches, quanto informal, incumbida aos pais e responsáveis. No tocante ao despertar cognitivo dos pequenos, a literatura infantil cumpre um papel de extrema relevância. Para compreender a dimensão desse processo, basta lembrarmos que a linguagem é uma das habilidades que as crianças mais desenvolvem durante a primeira infância. Antes mesmo de engatinhar e andar, os bebês já experimentam algumas estratégias de comunicação. E isso perdura de maneira profunda nos anos seguintes, por intermédio também da literatura. Embora não saibam ler e observar as especificidades linguísticas dos textos, ao interagir com eles por meio dos adultos, os pequenos constroem noções textuais da língua escrita, principalmente no que concerne à estrutura, à sequência e à coerência dos gêneros textuais lidos em voz alta pelos pais e professores.

            Além disso, segundo Fanny Abramovich, pedagoga e crítica literária, no livro Literatura infantil: gostosuras e bobices, contar histórias para crianças possibilita que elas exercitem suas subjetividades e emoções, o que contribui com a construção de uma identidade cultural pautada nas relações consigo, com o outro e com o mundo. Os contos infantis, através de seus atrativos linguísticos e imagéticos, colocam em pauta situações análogas à realidade das crianças e promovem a discussão adequada sobre sentimentos como medo, angústia, cooperação, solidariedade, carinho, tristeza e esperança. O Patinho Feio, de Christian Andersen, por exemplo, trabalha sutilmente com noções de bullying e de preconceito. Para que esses temas se sobressaiam no campo de interpretação das crianças, é necessário que haja a participação dos pais e dos professores.

            Entretanto, sabemos que, em geral, essa participação é deficitária em nosso país. Os problemas brasileiros na área de leitura expõem a cruel e concreta desigualdade socioeconômica que privilegia a minoria e assola grande parte da população. Em dezembro de 2019, o Ministério da Educação (MEC) lançou o programa Conta pra mim, cujos objetivos partem do pressuposto, atestado por pesquisas e práticas internacionais, de que o fomento da literatura no berço familiar reduz os índices de analfabetismo e aumenta os níveis de compreensão e interpretação textual do indivíduo. Em resumo, o programa consiste na divulgação de publicidades, na disponibilização de um site para orientar os familiares sobre a literatura infantil, na distribuição de kits de leitura para os alunos de creches e pré-escolas da rede pública, e na formação de professores-tutores para acompanhar as crianças nesse processo de interação com as histórias.

            Tais iniciativas revelam que devemos, sim, destacar a importância da literatura na Educação Infantil, mas também é necessário voltarmos nosso olhar para as condições literárias em lares que ignoram o poder de transformação dos livros. Nesse sentido, a creche e a pré-escola, como instituições educativas, têm a responsabilidade de garantir o acesso das crianças à literatura. E não apenas à literatura estrangeira, mas também aos contos que põem em discurso a nossa cultura, o nosso povo. Atividades dramatizadas e dinâmicas que envolvem elementos folclóricos, encontros de contação de histórias, recursos audiovisuais sobre personagens nacionais são algumas das alternativas para fomentar o prazer pela literatura na infância.

            Ademais, a equipe pedagógica deve estar em contato contínuo com as famílias, oferecendo-lhes eventos e oficinas literárias acessíveis àqueles pais e responsáveis que não tiveram a oportunidade de se aprofundar nos estágios da educação e que, portanto, não compreendem o significado da literatura na formação de seus filhos. Experiências como a da Creche Municipal Macária Militona de Santana, em Cuiabá (MT), nos deixam lições sobre a interação escola-família. O projeto de literatura infantil Mundo Encantador, realizado em 2015, além de outras ações, organizou uma maleta viajante contendo um livro e outros materiais didáticos. Esse objeto foi entregue aos pais, a fim de que, durante uma semana, eles lessem para seus filhos e conversassem com os pequenos sobre as histórias.

            Sonho com o dia em que lerei contos infantis para meus filhos após ter pesquisado as estratégias mais adequadas para cada faixa etária. Esse sonho só é possível porque percebi a tempo o valor da literatura. E sei que há exceções entre os menos privilegiados; há aqueles que se engajam na leitura mesmo que todas as condições os forcem ao contrário. Nosso trabalho, como educadores, inicia-se com uma atitude de reconhecimento e inquietude. Devemos nos armar dos livros não só enquanto pais, mas também enquanto profissionais. E lutar por um início feliz, que, quem sabe, levará a um final feliz.

Saiba mais!

Programa Conta pra mim:

http://alfabetizacao.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25:programa-conta-pra-mim&catid=18:para-pais-e-responsaveis

Projeto Mundo Encantador: https://educacao.tce.mt.gov.br/downloads/47/1576/projeto_de_literatura_Mundo_Encantador2015.pdf

Douglas Oliveira

Mestre em Linguística (UFPB) e graduado em Jornalismo (UFPB). É professor de Língua Portuguesa na SEECT-PB. Confia na linguagem como ferramenta de interpretação e transformação do mundo.